Não sei se vocês sabem, mas sou filha de peruano. Meu papai veio morar no Brasil quando se formou em Engenharia, tinha mais ou menos a minha idade (mais de 30) quando topou o desafio de fazer carreira em outro país. Sem falar nadica de português, veio com mais alguns amigos trabalhar na área de engenharia naval – que naquela época era um mercado bem promissor. Alguns anos depois, ele conheceu minha mãe, namoraram, casaram e eu nasci. Papai sempre fez questão contar histórias sobre sua terra, me deu livros sobre a civilização inca, ouvia canções em espanhol, havia sempre um pedacinho do Peru nos nossos dias.
Boa parte do grupo ficou pelo Rio de Janeiro e sempre que dava eles saíam pra tomar uma cerveja, almoçar, matar as saudades. Toda vez que meu marcava de reencontrar seus “parças”, eles se reuniam no tal “peruano do Flamengo”. Era certo: ao retornar pra casa, um tanto embriagado pelo lendário pisco sour, ele contava, emotivo, sobre como a refeição servida evocava as memórias mais nobres de sua juventude. E ainda tem gente que pensa que comida é só alimento pro corpo…
Só fui conhecer o ponto de encontro dos peruanos esse ano. O nome Intihuasi vem da fusão das palavras “inti” e “huasi”, que significa “casa do Sol” (Inti é o nome do deus sol inca e huasi significa casa em Qechua). A história da antiguidade peruana é tão maravilhosa que eu poderia ficar o dia todo falando e falando, porém vamos focar no que interessa, que é a maravilhosa comida servida nesse espaço. Desde a primeira visita, já estive 3 vezes na casa, sendo a mais recente em um delicioso almoço com Margarita Sayan e seu esposo João Paulo (que assim como minha mãe, é carioca da gema). Na ocasião, provei alguns pratos bem interessantes, que mostram o quão criativa e rica é a culinária peruana.
A cozinha peruana está em alta no mundo todo. Aqui no Brasil já encontramos alguns bons restaurantes especializados no assunto. Certamente você já viu em algum cardápio o famoso ceviche, certo? E como tudo que fica em alta, surgem rapidamente versões nem tão boas assim, o que pode acabar confundido a cabeça de quem experimenta os sabores peruanos pela primeira vez. Sendo assim, acredito que o trabalho que Margarita faz é tão importante para manter viva suas origens mesmo em outro país.
Anticucho: o famoso ~espetinho~ de coração de boi
No Intihuasi, há a preocupação em seguir tradições, manter sabores e sensações, mesmo tendo um staff 100% brasileiro. A chef e proprietária da casa me explicou que praticamente todos os cozinheiros trabalham com ela desde o começo (lá se vão quase 12 anos). Todos os garçons conhecem de cabo à rabo os pratos e falam com propriedade dos mesmos. O espaço é pequeno (pode ser que você espere bastante nos fins de semana) porém acolhedor.
O roteiro da degustação foi esse aqui:
Ceviche mixto: aqui temos o famoso ceviche (ou cebiche) de polvo, lulas, camarões cozidos, linguado e vieiras, acompanhados de batata doce, milho verde debulhado e grãos do milho gigante do Vale Sagrado torrados. Tudo isso com aquele “caldinho” de limão e cebolas roxas fininhas. PS: o prato é servido com um garfo-colher, especialmente pra aproveitar o “leche de tigre” que nada mais é do que o resultado da marinada com o ceviche.
Causitas: são pequenas porções da clássica causa peruana – parece um bolinho de batata cozida, suavemente temperada, acompanhadas dos molhos de aji, rocoto e al olivo.
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Os preços praticados na casa estão na faixa, tendo em vista que 90% dos pratos é feito com ingredientes frescos e alguns deles importados (como as vieiras, milho, quinoa e até mesmo o pisco). Os peixes e frutos do mar vem do Sul do Brasil, o que também “encarece” a logística… Colocando tudo isso na ponta do lápis, faz total sentido.
Agora seguem os pratos principais:
Majarisco: esse é um prato típico da costa norte do Peru e vem com camarões, lulas e mexilhões, pimentas e banana (vem tipo um purê de banana da terra ao centro, muito saboroso). O molho é levemente adocicado e o prato é finalizado com chips de banana também. Delicioso!
Arroz Chaufa: esse é um prato típico da fusão da culinária chinesa com a criolla (você vê muitos restaurantes “Chifas” no Peru). Minha escolha foi o arroz de mariscos, uma espécie de risoto de frutos do mar, ovos, tempero oriental.
Rocotos o Ajies rellenos con pastel de papa: rocoto é uma pimenta muito comum no Peru, sem ardência, que nesse prato segue recheada com carnes, ovos, passas e azeitonas, coberto com queijo. Tudo isso em uma espécie de bolo de batata, como se fosse um “escondidinho”.
Sopa Criolla: sopa de carne, com macarrão “cabelinho de anjo”, leite evaporado e orégano. Aqui, ela foi servida sem o leite, por isso a textura está levemente diferente.
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Obviamente, nós pedimos um pisco sour para degustar e estava muito bom! Como era dia de semana, almoço, ficamos apenas com um, porque né? Alguém tem que trabalhar nesse país. Em relação às porções, as entradas e aperitivos talvez saciem alguns comensais mais do que os pratos principais, porém pode ser interessante não se entupir de uma vez só justamente para aproveitar todos os tempos da refeição – e ainda caber uma tradicional sobremesa, como o suspiro de limeña.
Suspiro de limeña: doce de leite amendoado, finalizado com merengue ao vinho do porto.
Ñusta de maracuyá: parece o nosso mousse de maracujá, sabe? Mas com um ingrediente especial: QUINOA! Fiquei apaixonada por essa combinação!
Se você nunca foi ao Peru e não faz ideia de como é a culinária desse país, te convido a conhecer um pedacinho dessa cultura no Intihuasi. Se você já esteve por lá e morre de saudades, tá esperando o que pra esse reencontro?
Confira o cardápio completo clicando aqui.
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Agradecimentos especiais à Margarita e João Paulo pela gentil companhia em uma tarde de inverno. Conversamos por quase 4h sobre lembranças do Peru e gastronomia. Ainda levei bronca dela por não ter cidadania. Pode deixar que já estou vendo isso, dever de casa!
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